"TEXTO COLECTIVO" O RC ACABOU
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A TRANCA em edição manual, nasceu em 1972 (há 46 anos). Mais tarde passou tambem a acompanhar a era cybernética e passou a ser publicada na internet sob a forma de BLOG, e passou a chamar-se TRANCA-ON-LINE.,o que aconteceu em Novembro de 2003,
Em Setembro de 2016, um hacker oriundo de Lviv danificou o dash board do nosso blog, pelo que tive garantir a continuação do blog ,agora com a denominação de TRANCA E SALA DE CONVIVIO DO RC, com o endereço www.trancasala.blogspot.pt.
Há 15 anos, no primeiro dia da TRANCA-ON-LINE, publicámos um texto colectivo criado em 1978, a que chamámos "O RC ACABOU" que hoje deixo aqui na nossa SALA.
O RC ACABOU
.....O RC acabou...... Morreu de velho por falta de préstimo. Já não havia sets,
havia oitos de sucata; já não havia printers, havia máquinas de bater
claras à mão. As retretes andavam entupidas:- havia montes de merda por
todos os lados. Chovia no QCS. O QCS começou por emigrar para o QDO, depois
começou por pingar em QDO, em QEU, em QCM...até à debandada final. A
vegetação selvagem invadia as secretárias dos chefes. Lianas escorriam do oitavo
para o sétimo do vinte e cinco. Pululavam as pulgas e havia cobras nas
gavetas Entre farrapos de alcatifa vagueavam salamandras e sapos. Dos tectos
pendiam aranhões cabeludos envoltos em fantasmagóricas teias e até as
coisas mais chatas -" já nem para supermecado serve"! - opinava doutamente
o Brito Dias :"Tenho a canalização entupida", queixou-se.
Num dia de grossa invernia o maralhal emigrou. Houve lágrimas, cenas
lancinantes, gritos, guinchos e apóplés.
Só o Marques ficou. Sentado à secretária, em regime permanente de trabalho
estraordinário, protegido da borrasca por um monumental chapéu de chuva,
fornecido pelo Serviço de Obras, envolto em mantas e de luvas, gritava
ainda ao telefone: -"As minhas pulgas , os meus sapos, as minhas
baratas..não voam, não..
A Tranca, agora revista pirata, impressa na clandestinidade, no urinol do
Rossio, com a cumplicidade do seu guarda o senhor Cristovão das Aguas
Vertendas, publica hoje um estudo da sua equipa de sociologia, sobre a
situação daqueles que passaram mais de metade da sua vida a malhar
com os cornos nos set.s, e quase acabaram por sucumbir à degradação das
instalações.
O Filipe , como todos os aldrabões, foi quem se safou melhor...nem precisou
de sair de casa. Dispôs luzinhas e estrelas, plantou caveiras, abriu banca
de bruxa e publicou anúncio:
"
BRUXO DE CORDEL, VENDE BALELAS" SENIS, RESPEITÁVEIS (MAS POUCO) CHEFES DE
FAMÍLIA DA MINHA RUA, AOS CRETINOS EM GERAL. SE QUEREIS CURAR-VOS DE
MAZELAS, VISITAI O MEU ANTRO,TODO O CONTEÚDO HERÓCLITO DA MINHA MONA
ASTRALMENTE ILUMINADA ESTÁ VOSSO SERVIÇO"
A Trudy acabou por casar com ele. Sob coacção, claro. Um dia o Filipe
vestido de bruxo fez-lhe uma espera, passou-lhe um feitiço, ele
assustou-se,
(estava escuro) tropeçou, caíu , e ele logo ali lhe cantou:
-Minha pombinha de nácar, aqui te faço dona dos meus destinos. Aqui
tocarei com lábios frementes a rosa dos meus desejos!..e engalfinhou-se
nela.Depois de uma clausura breve no sulfuroso antro de Moscavide, ele
evadiu-se com a cumplicidade do Miranda, e ambos arranjaram colocação como
"croupiers" no Casino Estoril. Ela submete a mais respeitável clientela a
sistemática apalpação, e ele reanima à bombada os mais susceptíveis.
O Canelas agora é guarda fiscal no Aeroporto. Eficiente, desconfiado,
nenhum "free" lhe escapa, sobretudo se vier de Nova York. Espera-os ,
apalpa-os , com ar de connaisseur, remexe-os, questiona, busca.. Até já
encontrou um emissor com frequência modulada no buraco de um dente de uma
velha americana, e uma
Parker 51, no ânus de um bailarino que vinha dançar a S.Carlos.O Canelas
passou-se para o Governo "Têm de pagar" diz às vítimas. "Eu só recebo
comissão". Não posso permitir que estes contrabandistas diminuam as
receitas do Estado.
O Ferrão com os lucros do famigerado Interline Clube da terra dele,
profissionalizou a equipa de volley, e com a vèlhinha máquina de telex, que
lhe coube em espólio, recebe frenèticamente convites para jogar. Na 5ª.
feira, jogam no Canadá, contra a "Blind-League of volleyballers", no
contra os "Los Manetas de Syracuse".. O Raposo , como já mexe mal os seus
110 kilos, pouco acertou na bola, por causa da tremedeira nas mãos.. O
Sampaio, àparte os jogos em que parece estar do lado dos adversários, foi
recolhido pela Casa Pia. É que o avanço da idade , fê-lo regredir à
infância. Agora é menino de capela e ajuda à missa.. A nova devoção não lhe
abafou a antiga, e interrompe frequentemente as missas com o estribilho:
"Era o vinho, era o vinho, era o vinho que eu mais adorava..".
O João Anarca, abriu loja de bombas para asmáticos, porque as outras faziam
muito cagaçal. Os cocktails Molotov tazem mistura de mijo, os detonadores têm barbas de millho, e os petardos põem nódoas de lexívia. Os cartazes que vende para manifs são velhas capas da "Vogue"..A loja chama-se "BAKUNINE,MALATESTA, ANARQUIA & CAOS".
Nas traseiras, fabrica pólvora, com os "àpartes" envenenados do Catarino e citações de Nietszche, tais como: "Ai, já cá faltava o disparáááte!", e "Deus está morto". O filho que deixou de lhe abrasar as noites, abrasa-lhe agora a loja com bombas.
O Zé Carlos viciado a decorar as sebentas do Marcello, fez-se decorador. Isto é, oferece serviços que ninguém quer. Por vingança decora-se a si mesmo. Para gáudio da Familia (com F. grande) clã montanhez, ex-terratenete com pretensões à aristocracia de toga, veste-se de Cardin, ingressou numa Academia de Etqueta, fez um curso de bem-pisar-todo-o-solo-mas-de-preferência-parquets-de-carvalho-e-tapetes-de-Boukhara, cursou tomismo, positivismo, Russelismo,pianarismo,Goubineauzismo, D.Annunzismo, e foi a um barbeiro desfazer o remoínho , para disfarçar aquele ar impúbere, para poder ingressar no Corpo Discente da Universidade Católica. Um homem é um homem, e um chefe de Família, não é um menino de côro.
O Coelho de Almeida retirou-se para o Monte Athos. Do alto do seu penhasco, tenta agora conciliar a ortodoxia da Igreja Oriental, com a ficção científica. Agora já não vai ao cinema. Lê nos ícones das paredes , a História Sagrada em episódios. O Leandro emudecido de vez pelas arremetidas da Teresa F., recolheu por seu lado ao Júlio de Matos, onde está no Pavilhão 69 - Disléxicos - desenhando enormes cús, e batendo com a cabeça nas paredes.
O Faustino empregou-se como esfolador no Matadouro Municipal. Esfola vacas, bois, coelhos, pinatssilgos , e uma ou outra unidade executiva que lhe caia ao alcance da mão.
E assim vai esfolando ignobilmente o seu. Já fez várias tentativas para ser matador, mas recusaram-lhe a capa e a espada. Como persistisse, fizeram-lhe a vontade. No dia da matança aparece no estábulo, e mata as vacas de susto. "Veni, vide, vinci"
O Mesquita empregou-se também nas industrias de víveres. Deram-lhe um galinheiro próprio no Aviário do Freixial, uma gabardina de penas, uma crista de plástico, e ele, passa agora os dias a montar ciladas às pobres galinhas.. A produção de ovos aumentou, pois as pobrezinhas intimidadas por tão viril presença, deixam cair os ovos por toda a parte, desovando sem criterio, nem piedade. Todos os grandes Supermecados de Lisboa, disputam os famosos "ovos "galados pelo Mesquita".
Na semana posterior à queda do RC, a Câmara de Lisboa reunida em sessão estraordinária, deliberou substituir o Senhor de braços abertos, que enfeita a outra banda, por um senhor só com o dedo espetado. Foi assim que o Van Dog, eliminando pelo veneno próprio todos os concorrentes, conseguiu o emprego, com a vantagem de exigir muito menos cuidados de limpeza.
O Raminhos depois de passar pela CP, onde trocou a Linha do Norte pela do Sul, a do Nordeste pela do Tua, foi para as Missões,.Deixou de impingir o Avante, e vende agora a "Acção Missionária".
Neste momento anda pela India de burel e cilicio, a converter os pagãos adoradores de vacas. Alguns, já desistiram até das ditas vacas e passaram a adorar só as ovelhas, o que valeu ao Raminhos o aplauso vibrante do Patriarcado do Oriente, e um lugar na Sagrada Congregação para a Confusão dos Credos. A turba dos gentios até lhe ergueu um túmulo igual ao de São Francisco Xavier, em cuja cabeceira foi lavrado o seguinte epitáfio:
"Apóstolo da confusão
os gentios já saturados
oferecem-te este caixão
e se outro vier como tu
armado em S.Xavier
não é caixão que lhe damos
vamos-lhe ao cú....como ao Ramos"
O Catarino fez-se modelo de Courrege. Com a graça e languidez habituais, bamboleia-se pelas passarelas mundanas, de mão na anca, sacudindo os caracóis de farta cabeleira "condré". Ainda tentou convencer o Matos a emigrar para Paris, mas o dito, apanhado por esbirros, foi exportado para o Ceilão, onde serve de Buda num templo Xintoísta. Levam-lhe flores, pauzinhos de cheiro, pregos no prato e barris de cerveja. No fim agradece com um inhumano arrôto, que lhe abala as nédias.
O Vaz montou um salão de cabeleireiro para Quadros. Convidou o Marcelino para a inauguração.
Temos de intimar também o Magriço Miranda, que desesperado, montou uma fábrica de câmaras de ar, última esperança que lhe restava na sua luta contra a caquexia.
O Pinto retirou-se para a serra Algarvia; tem uma fábrica de figos torrados e um alambique com que pretende fazer medronho a partir do mijo de uma burra que a avó lhe deixou.
O Bètinho ingressou no Circo Mariano. O número dele é o de xadrez, e consiste em defrontar-se todas as noites com um senhor magrinho , desdentado e famélico. As partidas frenéticas, desde o primeiro momento, acabam sempre com a derrota do Becas.
O Caramelo e a Irene emigraram. Ele para a China Popular, onde é membro passivo do Comité paa a Restauração da Ideia Capitalista na Província de Iang-Sequiang. Anda vestidinho de verde, toucado de cáqui, e traz na mão um livrinhpo de Wermer Sombart "The welfare state"A Irene instalou-se na Bahia de todos os Santos, onde abriu uma baiuca de quitutes. Sorridente, vestida de repolhantes folhos, recamada de vidrilhos, colares e balangandans, esgana-se para juntar dinheiro para comprar mais vidrilhos, colares e balangandans.
A Fernandinha, que queria subir ao céu, de mão dada com a Maria do Céu, viu-se sòzinha, perante a peremptória recusa desta última aflita pelo assédio religioso. Por fim, aceitou finalmente o sábio conselho de montar um talho, última esperança que lhe restava de mexer em carne pendurada.
O Giovanni pediu um empréstimo ao Banco di Santo Spiritu, e montou uma fábrica de locomotivas movidas a murro e imprecações. E já que estamos em maré de reconversões de marterial, cabe aqui lembrar o destino do Marques, que com uma pequena adaptação, foi dependurado no tecto do Aeroporto, onde desempenha as funções de altiflante. Entretanto foi criado , para distração dos passageiros vítimas de atrasos, um pequeno Luna Park nas traseiras do Terminal de Carga. A principal atracção é o Mascarenhas que debruçado do Balcão de uma barraca de tiro, acenando com a nívea mão se esganiça: "Oh freguês, vai um tirinho?", enquanto compõe as mamas de plástico. Já não veste bem, mas a ocupação , vai-lhe muito melhor.
O Curado foi requisitado pelo Ministério da Cultura para consultor cultural da Faculdade de Letras. Anda sempre com um livro debaixo do braço, ora "Para uma contra-cultura", (por indicação do Melo), ora Poemas de Rabindranath Tagore na versão original, e às vezes, também, com um exemplar do "O filho da mãe volta a atacar" de José Vilhena.
O Pereira de Sousa, como se lhe acabaram os pincéis, passou a dedicar-se ao "crochet electrónico", depois de ter electrificado a casa toda or causa dos ladrões, desde os talheres aos penicos.
A Natália, insidiosamente infiltrada na Rádiofusão Nacional, é realizadora do programa "MADAME NATÁLIA DIZ COMO É" (Retalhos da vida de uma mulher casada, sexualmente feliz, mas com 2 putos, sem mulher a dias, e com 20 tias velhas para aturar).
O Lopes já mal ganha para os bilhetes do Cinebolso, onde vai fertilizar a imaginação que desabrocha no programa da Natália.
O Herdeiro por caminhos ínvios, conseguiu chegar a Director Chefe do Diário da República, apesar dos protestos e das cartas anónimas do Filipe. Escreve o artigo de fundo, o artigo entre 2 águas e o artigo de superfície, publica os decretos-leis, os despachos, as ordens de serviço, amarrota os papéis, varre e despeja os caixotes.
O Cascada é vestal de um templo na ilha de Poros, e faz leituras nas entranhas dos pintos. Mas também se dedica a maldades muito mais interessantes, que os habitantes da ilha se recusam a revelar...
O Ricardo, a macaca do QCS, recolheu ao Jardim Zoológico. De tanto fazer ninharias, enlouqueceu, os olhos dilataram-se-lhe, muito azuis e esbugalhados, o corpo balofo e rosado, mal lhe cabe no habitáculo de canas entrelaçadas que construiu para si mesmo. Acocorado num poleiro, como um pequeno hermafrodita albino, passa o tempo "dicendo parolace oscene" no dizer do Giovanni das locomotivas a murro.
O Cabral é espoão numa Repartição dos Correios em Alverca. Recebe não se sabe por onde, mas parece que anda ao serviço do Yatollah Khomeini.
O Calado Lopes é bobo do Samora Machel.Anda vestido de tanga, pintado de preto, boca tatuada de côres berrantes, e compila anedotas àcerca do seu senhor. Rege ao mesmo tempo uma cátedra de bobagens, isto é, tem uma indústria de bobinhos.
O Garção passou-se para o CDS, e arranjou uma empresa privada de que ele é o único accionista, gerente, vendedor. Discute até ao último tostão o ordenado do porteiro, que é ele mesmo. Usando o seu tonitruante vozeirão e a convincente estatura, apregoa dentaduras em 2.ª.mão,perdão, em 2ª. boca e velas de automóvel já gastas.
O Kikinho fez testamento, legando para quando morrer, os seu ossinhos para uma fábrica de pipos para clisteres, com a indicação expressa, de que deveriam ser usados únicamente para lavagens íntimas femininas.
O Pereira Martins converteu-se ao cristianismo, e a sua fulgurante ascenção na hierarquia eclesial, culminou com a sua investidura no báculo. É actualmente bispo de Paço de Arcos, e, prosélito, distribui pajelas da Sãozinha e de S.Tomaz de Aquino, pelas ruas da diocese.
O Barbosa Diniz converteu-se às testemunhas de Jeová. A última vez que foi visto, foi a um domingo, às 8 horas da manhã à porta do Faustino.
A Adelaide, essa, fez a sua última aparição em público, na Basílica da Estrela. Nua, por traz do altar, com uma perna na cruz, outra no ostensório, a desinquietar os fiéis.
(Texto produzido na sala de convívio do RC , no sétimo do ed.25, em Julho de 1978)