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BOCAGE descreve a sua entrada no Limoeiro , preso pla autoria da sua "PAVOROSA ILUSÃO DA ETERNIDADE"
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Bocage era pouco acautelado na manifestação das suas crenças políticas e religiosas.
No ano de 1797 foram denunciados à intendência da polícia, como escritos pelo poeta, uns papeis ímpios, sediciosos e satíricos, que apareciam clandestinamente com o título de Verdades Duras, e continham entre outras coisas a epístola Pavorosa Illusão da Eternidade.
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Bocage soube-o e tentou fugir, mas foi preso a 10 de Agosto do referido ano, a bordo da corveta Aviso, que se destinava a partir para a Baía.
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Eis como Bocaje nos descreve a sua entrada no Limoeiro:
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Vou pintar os dissabores
Que sofre meu coração,
Desde que Lei rigorosa
Me pôs em dura prisão.
A dez de Agosto, esse dia,
Dia fatal para mim,
Teve princípio o meu pranto,
o meu sossego deu fim.
Do funesto Limoeiro
Já toco os tristes degraus,
Por onde sobem e descem
Igualmente os bons e os maus.
Correm-se das rijas portas
Os ferrolhos estridentes,
Feroz condutor me enterra
No sepulcro dos viventes.
Para a casa dos Assentos
Caminho com pés forçados,
Ali meu nome se ajunta
A mil nomes desgraçados.
Para o volume odioso
Lançando os olhos a medo,
Vejo pôr - Manuel Maria -
E logo à margem - Segredo.
Eis que sou examinado
Da cabeça até aos pés,
E vinte dedos me apalpam,
Quando de mais eram dez.
Tiram-me chapéu e gravata,
Fivelas, e desta sorte
por um guarda sou levado
Ao domicílio da morte.
Estufa de treze palmos,
Com uma fresta que dizia
Para o lugar ascoroso
Denominado enxovia.
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A Intendência manteve-o incomunicável durante 22 dias:
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Passados vinte e dois dias
Sofrendo mil mágoas juntas,
Enfim por um dos meus guardas
Fui conduzido a perguntas.
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Depois, mantendo Bocaje em "segredo de justiça", transferiu-o para "isolamento" numa enxovia comum. Aí o seu abatimento não cessou, como se vê nestas suas impressivas palavras:
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Mete-se a chave, corre-se o ferrolho,
Faz a primeira grade estrondo horrendo,
Vai o mesmo nas outras sucedendo,
Levando o guarda sobre o ombro o olho.
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Um, deitado sem cama sobre o solho,
Outro posto a jogar, outro gemendo,
Aquele a passear e este escrevendo,
Aqui se mata a fome, ali o piolho.
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Um pedindo papel, outro tinteiro,
Aquele divertido na assembleia,
Este chorando a falta de dibheiro...
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Lutam os crimes seus na vaga ideia,
Esta tragédia é a do Limoeiro,
Representada em cena de cadeia.
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Voltou a desfrutar outra vez da liberdade, por lhe não terem encontrado no processo motivos de condenação, e também devido à protecção do ministro José de Seabra e Silva. Uma beata, Maria Teodora Severiana Lobo Ferreira, denunciou-o mais tarde, em 23 de Novembro de 1802, ao Santo Ofício como pedreiro livre, mas o processo apenas principiado não teve seguimento.
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Poemas citados por Manuel João Gomes in "O Manual dos Inquisidores", Frei Nicolau Emérico - Edições Afrodite - 1973
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Aqui fica a ímpia "Pavorosa Illusão da Eternidade". que o levou ao cércere:
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Pavorosa ilusão de Eternidade,
Terror dos vivos, cárcere dos mortos;
D'almas vãs sonho vão, chamado inferno;
Sistema de política opressora,
Freio que a mão dos déspotas, dos bonzos
Forjou para a boçal credulidade;
Dogma funesto, que o remorso arraigas
Nos ternos corações, e a paz lhe arrancas:
Dogma funesto, detestável crença,
Que envenena delícias inocentes!
Tais como aquelas que o céu fingem:
Fúrias, Cerastes, Dragos, Centimanos,
Perpétua escuridão, perpétua chama,
Incompatíveis produções do engano,
Do sempiterno horror horrível quadro,
(Só terrível aos olhos da ignorância)
Não, não me assombram tuas negras cores,
Dos homens o pincel, e a mão conheço:
Trema de ouvir sacrílego ameaço
Quem d'um Deus quando quer faz um tirano:
Trema a superstição; lágrimas, preces,
Votos, suspiros arquejando espalhe,
Coza as faces co'a terra, os peitos fira,
Vergonhosa piedade, inútil vênia
Espere às plantas de impostor sagrado,
Que ora os infernos abre, ora os ferrolha:
Que às leis, que às propensões da natureza
Eternas, imutáveis, necessária,
Chama espantosos, voluntários crimes;
Que as vidas paixões que em si fomenta,
Aborrece no mais, nos mais fulmina:
Que molesto jejum roaz cilico
Com despótica voz à carne arbitra,
E, nos ares lançando a fútil bênção,
Vai do grã tribunal desenfadar-se
Em sórdido prazer, venais delícias,
Escândalo de Amor, que dá, não vende.
II
Oh Deus, não opressor, não vingativo,
Não vibrando com a destra o raio ardente
Contra o suave instinto que nos deste;
Não carrancudo, ríspido, arrojando
Sobre os mortais a rígida sentença,
A punição cruel, que execede o crime,
Até na opinião do cego escravo,
Que te adora, te incensa, e crê que és duro!
Monstros de vis paixões, danados peitos
Regidos pelo sôfrego interesse
(Alto, impassivo númen!) te atribuem
A cólera, a vingança, os vícios todos
Negros enxames, que lhes fervem n'alma!
Quer sanhudo, ministro dos altares
Dourar o horror das bárbaras cruezas,
Cobrir com véu compacto, e venerando
A atroz satisfação de antigos ódios,
Que a mira põem no estrago da inocência,
(. . .)
Ei-lo, cheio de um Deus, tão mau como ele,
Ei-lo citando os hórridos exemplos
Em que aterrada observe a fantasia
Um Deus algoz, a vítima o seu povo:
( . . .)
Ah! Bárbaro impostor, monstro sedento
De crimes, de ais, de lágrimas, de estragos,
Serena o frenesi, reprime as garras,
E a torrente de horrores, que derramas,
Para fundar o império dos tiranos,
Para deixar-lhe o feio, o duro exemplo
De oprimir seus iguais com férreo jugo.
Não profanes, sacrílego, não manches
Da eterna divindade o nome augusto!
Esse, de quem te ostentas tão válido,
É Deus de teu furor, Deus do teu gênio,
Deus criado por ti, Deus necessário
Aos tiranos da terra, aos que te imitam,
E àqueles, que não crêem que Deus existe.
(. . .)
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