segunda-feira, 21 de março de 2016

O RC SUPERMERCADO

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O RC SUPERMERCADO.
(EDIÇÃO DO NOVO FORMATO DA TRANCA)

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Ainda antes do texto já publicado
"O RC ACABOU", foi produzido
este texto colectivo, elaborado
e saído numa TRANCA de 1976..
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RC SUPERMERCADO
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O RC faliu. Primeiro de facto,(há muito tempo que não servia para nada). depois por decreto do Quatragésimo Governo Constitucional.
Já não faz overbookings, vende bacalhau, já não controla voos, vende batatas. O Controle Central de Reservas já não é. É um simples supermercado, um super-museu de consumo.
Foi dura a transição, dramática a adaptação das élites. A antiga "Legião Estrangeira", a tropa de choque da TAP fez-se legião de empregados de balcão.
Mas houve surpresas. Aconteceram revelações, desabrocharam vocações. O RC era em potência uma feira-franca, já o sabíamos do tempo do Simas.Agora as águas turvas em que nadava o Canelas, já não são turvas, são claras. Desistiu da transferência pedida à mais de 25 anos, e ocupa agora, gloriosamente a chefia da secção dos negócios castanhos. Se já vestia bem, veste melhor. Guarda-roupa de duzentos fatinhos de chulo, todos iguais, trezentas gravatinhas de flores, espinha obsequiosamente dobrada, sorriso untuoso e semítico, pestana revirada,, barbariza dos clientes com a sua péssima água de Colónia, e as infâmias do costume.. O seu dinamismo Regisconta, o seu atletismo de mercador de panos. derrubam todas as resistências ao consumo.
O Marques ,que quiz apoderar-se de toda a instalação sonora e anexar, não só a cabine de som, mas os ouvidos de toda a cilentela, foi furiosamenteb repelido pela tripulação do Supermercado. Então, vìndicativamente alapou na recepção, e nem tanques, nem chaimites, nem buldozeres o arrancaram de lá. Feliz, perfeitamente realizado, atende a chusma com a sua agressiva amabilidade, emitindo sonoridades truculentas, slogans fatais, tais como"
.."É entrar senhores! No MEU supermecado tudo o que
não é vosso é MEU, os MEUS trabalhadores, os MEUS bacalhaus, os MEUS champôos, os MEUS fillet-mignoms, as MINHAS cebolas...podem tornar-se vossas. Os MEUS homens amestrados atendervo-âo".
Nos intervalos para descanso, atende uma montanha de telefones, ao mesmo tempo e uma montanha de telegramas, walkie-talkies,pombos correios, electrocardiogramas,, radiogramas,nínguém-o-gramas,sismogramas, mensagens de 3.ºgrau e explicaões no nosso Raminhos.

Junto à antiga carga, há agora um posto de socorros para clientes incautos e sem seguro.É que o Giovanni se não vende morde. Com raiva. Aquela raiva de anos, babosa e sanguinolenta contra os agentes, recauchutada agora contra as donas de casa, contra as sopeiras. Se não vende trucida. Ninguém entra num supermecado em vão.
-"Ou levas mercadoria, ou comes porrada, lá de mãos a abanar é não vais!!"
E abespinha-se, e enrubece ,espalhando sangue, morte e desolação. O Giovanni é a consciência do comércio monopolista.

O QDO/QEU , antigo baluarte da autocracia "Marquesista", "sala" de ociosos supervisores eternamente sentados à mesa, tricotando fófócas de poleiro, digerindo inomináveis e inqualificáveis literaturas policiais e eróticas, foi transformado em tasca. Os temíveis paredões de barroca e possante alvenaria, onde dantes ressoavam as vozes tonitroantes do tirano e o sibilar miúdo a guarnição, cederam à artilharia dos tachos e das colheres de pau.
O Raposo o Candeias e o Sampaio, cheios de nódoas de vinho e de gordura, mas eficazes e pressurosos, servem os cozinhados suculentos do Ricardo e do Espuma. Consta que um e outro, têm dificuldade de fazer chegar aos clientes o produto das suas artes. Entre o caldeirão e a mesa, a gula e a fussanguice dos empregados pela "prova", é tal ,que não raro é, ser servido osso por chicha, e espinha por carapau. E como se isso não chegasse, um gato lambareiro - o gato Patrício - ronda permanentemente, mas em vão, os tachos e panelas. No entanto, é tal a sua pertinácia, que por vezes os empregados o deixam escorripichar os copos vazios, ou roubar uma ou outra espinha do prato.
Da ementa criteriosamente escolhida - ali não há prima para engrossar molhos, nem lesmas na salada -fazem parte pitéus como --"bloody noshow" - um sangrento tornedó de boi, "One man show" - um prato com paladar um tanto agressivo, para gente susceptível e de compleição débil, mas que, como o nome indica. é mais parra que uva.
"Black Power on the phone" - é um requintadìssimo cocktail de nafta, servido numa taça perfumada de "Aramis", com um auscultador telefónico empoleirado nas bordas. Curioso, e quanto a nós delicioso detalhe, é o facto deste cocktail ser servido pelo bisneto da Rainha Ginga, que dá pelo nome de Zuza, "o homem da savana", filho da puta para aquelas que tiveram a desdita de o amar.
O Sex-chop instalado no antigo QCS (Grupos), é dirigido com devoção e proselitismo pelo Rui de Sousa e pela Dina.
Está apetrechado com os mais sofisticados recursos químicos e mecânicos, quer para casos de imaginação depravada, quer de simples necessidade de ajuda "na hora certa".
Há sprays para tudo, desde himens resistentes, a caîmbras nos tornozelos, passando por um spray especial, muito usado pelos empregados do supermercado, contra ataques verbosos do exterior perpetrados cabotinamente a "altas vozes" acima dos 700 decíbeis.Neste sector as consultas processam-se com descrição e segundo os métodos mais modernos. Partindo do "homem-ideal- na -cama", os peritos determinam a categoria sexual do paciente. O modelo - o senhor Mesquita - , "em permanente fase de apoteose sexual", numa "casinha" oculta por espesso reposteiro. funciona a pedido ou por simples pressão exercida sobre um botão de plástico ligado a um gerador de impulsos eróticos.

O Filipe como praticante de artes marginalizadas, tem nas proximidades a sua boutique de vidente; um minúsculo estaminé de tabopan, forrado de chitas de Alcobaça, cujo mobiliário se resume a uma mesa de pé de galo e uma tripeça de nogueira carunchosa.. Aí, atende ele os descrentes, os deserdados e suoersticiosos, os desapaixonados e desiludidos, ou simples curiosos gozões, que lhe vertem no bolso do casacão sebento, copiosas quantias, em nome da estupidez, do obscurantismo do pirosismo neo-astrológico. O seu grande sonho é poder apoderar-se da TRANCA- o célebre golpe- de- tranca há tanto esperado -para a transformar em separata das "Trovas do Bandarra".
Na farmácia , pontificam a Irene e o Correia. Têm de tudo, mas a secção priviligiada é a dos calmentes..Note-se , todavia a Irene foi recusada pela gerência da tasca (eles lá tinham as suas razões). A explicação oficial foi no entanto a, da "desmesurada" concorrência que faria ao gato Patricio, no campo da gulodice, claro.
O Correia debate-se entre toneladas de ervas aromáticas e medicinais, e nos intervalos da sua permanente intoxicação e cansaço, dá conselhos macrobióticos e vegetarianos, devassa psicanalìticamente as almas mais fracas que lhe caiem nas mãos. Neste momento , conta no seu curriculum com dez suicidios aconselhados, segundo o lema: "Pague agora e suicide-se depois".
A sala de jogo é o Império do Bètinho.Aí ele faz de croupier, jogador, apanha-bolas e mulher de limpezas. Joga ping-pong, king-kong, carrôme, sueca, canasta e burro.
Mas joga mal. Todos gostam de jogar com o Bètinho, porque o Bètinho não sabe ganhar. A clientela adora o Bètinho. O Bètinho perde sempre. Viva o Bètinho .
A sala de leitura é o local onde o Amaro lê ao mesmo tempo todos os jornais do mundo.passados,presentes e futuros. Por um pequeno óbulo é possível o cliente obter da boca Amaro todas as notícias e infos relativos a assuntos específicos, quer se trate do escândalo Fouquet, no reinado de Luis XIV, do affaire Dreiffus, dos últimos avanços das tropas americanas em Marte. da eleição do Papa João quarenta e três, ou da instauração da ditadura do proletariado nos EUA.
Na secção infantil, há um labirinto para crianças até aos 3 anos, onde o Raminhos, inicialmente indigitado como guia, se perdeu com seis clientes , vai para um mês. Nunca mais ninguém soube deles.
Mesmo ao lado na secção de Assistência Social e Apoio Moral Polivalente (ASAMP), a Silvia desdobra-se em suores e gargalhadinhas miúdas, desenvolvendo uma super-actividade de apoio a retornados e emigrantes. A secção dispõe de uma modernìssima central telefónica de 28 linhas, 14 das quais ligadas permanentemente ao Maputo. As outras ao Poder Internacional, à Casa Branca e ao Kremlin, à redacção do Readers Digest," Revista Modas e Bordados", à Vera Lagoa, ao Jornal Diabo,e à Cia (que salvo erro , está na Beira).
O Rochinha exultante, agita-se num pandemónio de sucata, pomposamente designada por "ROCKY.S MODERN BAZAR", nervosamente limpando os suores da careca, e exibindo a sua, enfim, aparatosa aparelhagem toráxica (só toráxica), saltita ,entre selos. moedas, aquários, fios electricos,compêndios de matemática em 2.ª.mão, chás, cursos inacabados,, peixes, vitaminas, pacotes de argila, chinós, bull-workers, motos em segunda mão,, manuais políticos, posters, televisores estragados pelo próprio, hélices de avião, vestígios arqueológicos, cartões de militante de todos os partidos políticos, confetti, cascas de berbigão, etc, etc.
Junto do antigo QCM, somos atraídos por um gigantesco anúncio luminoso ; "CANTO DO VIGÁRIO", onde o Vieira, o Simas e o Sá, vendem febrilmente cautelas com defeito, licenças de construção,matrizes de totoloto do Burundi, servidões de passagem pela pista do aeroporto, marcações de entrevistas com inspectores da NASA,
Já venderam o Rossio a um casal de americanos do Massachuchas e o leão do Marquez a um grupo de japonenses em transito, e os cisnes do Rossio a um empreiteiro de Moimenta da Beira, .
A Natália é a voz -off. Aos micrifones da cabine de som, ela difunde as suas intimidades em tom de Florbela Espanca.
Ao Sereno , que chegou tarde de uma viagem ao Rio, deu-se um simples tabuleiro e uma mala de cartão com produtos para a caspa. Instalou-se ao pé do "ponto", e aí, exerce o seu mster, de pôr caspa a quem não a tem, e a vender cursos de marinheiro a quem não está interessado.
O Duarte grita na peixaria, entre caixotes de carapau:
-"Comprem suas ordinárias, que o peixe é fresco." Ich in der fuhrer der fishrei,e quem compra ao Fuhrer, empresta a Deus."
No antigo gabinete de chefes de divisão, funcionam agora os lavabos, porque havia sol, e não cheirava a suor.. O antigo ocupante , despojado de prerrogativas e estaminé, vagueia pelos corredores de tabuleiro pendurado ao pescoço, vendendo recuerdos, do antigo RC: PNRS com passageiros em terra, , voos cancelados à última hora, dead file, hanbacks por actuar, seis fichas (por estrear) para a casa de banho , e outras broncas. Consta que ficou na miséria, mas continua a passar férias nas Bahamas.
O Augusto e o Mendonça, destacados para a retrozaria, desapareceram logo no primeiro dia. Investigações posteriores provaram que foram ambos vendidos numa caixa de agulhas,.
O Marcelino através de nepotismos e outras habilidades, adquiriu boutique de beleza. a que chamou :"MARCELINO PELUQUERO E PERUCAS".
Passa o dia ao espelho, de cabelo postiço, em autocontemplação,frisando a grenha, esticando as peles, experimentando chinós.
O Catarino, esse, não quiz boutique, quiz cave, quiz caverna. Ataviou-se de bruxa, arrancou dentes, pôs avental e lenço na cabeça, muniu-se de sais, pós e poções, e desceu aos infernos do edifício. Muito em segredo, no meio de um décor dantesco, sufocado de fumos e tosses, demoníaco, solta gargalhadas e compões venenos.. Cá em cima, o Henriques, cheio de problemas de consciência ,mas mortífero no ataque às vítimas , vende-os por perfumes.
Ao Branco e ao Vaz, deu-se uma dispensa e uma cadeira , onde se sentam à vez, olham o infinito, caçam moscas e coçam o saco. Ninguém sabe para que servem.
Ao lado, o Cabral tem o seu gabinete de presidente do Comité do mau ambiente. Traz ao ombro o Carvalho da Carga vestido de papagaio.
-"Velho, velho, velho" -grita este em falsete, enquanto lhe debica a cêra dos ouvidos.
E finalmente, à porta do Supermecado, há 3 pobrezinhos esfarrapadìssimos:
O Caramelo, o Cascada e a Gertrudes Tomaz.
A Gertrudes apragoa citações:
-"Olhe, quer comprar as citações do meu husband?", "Traz prefácio do Castrim"
O Cascada, pelado e treslocado, leiloa memórias
-"I.m selling my memories", e espalha papéis ao vento , babando-se
Três mil e quinhentos volumes i"n fólio", em letra miudinha.
O Caramelo, finalmente, como lhe foi recusado o capricho de construir um minarete só para ele, foi para a porta com um manual de economia política debaixo do braço, pedir dividendos à caridade pública.
E com a toada lenta, monótona de muezin, vai-se lamentando que "ninguém o quer", que "é mais antigo que o filho da Dina, e o neto do Cabral" e que eles tiveram boutique e ele não.....!!!

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