sábado, 4 de março de 2017

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(REPOSIÇÃO A PEDIDO).


BAILE "MASQUÉ" NO CASTELO DOS KIKINHENBURG-GROSSFELD
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CRÓNICA DE ESCÁRNIO E MALDIZER
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Tudo teria começado com o convite ...


.Este texto-colectivo, criado
após um "brainstorm" na velha
sala de convívio do antigo
Controle de Reservas - RC,
a quem o talento do CASCADA,
deu forma escrita, é datado
de Novemvro de 1976.
A "estória gira à volta de un
baile masqué que teria sido
oferecido pelos Carlos Henri-
ques...
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CONVITE
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“Sua Excelência o Conde Karl-Heinrich von Pfeffer zu Kikinhenburg-Grossfeld, dará um baile público “masqué”, no dia trinta de Setembro. O Populacho é convidado a comparecer às 00.00 horas no Palácio de Inverno de Baden-Heinrichof, nas margens do Caneiro de Alcântara, a Benfica.
PS – É probida a entrada a letrados, nobres acima de conde, pessoas com mais de onze valores a Filosofia, e a supervisores com menos tempo de casa que o anfitrião”.
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A FESTA
Mascarei-me de cronista mundano – que é o nome que se dá ao simples fofoqueiro com acesso aos jornais a sério – e lá fui às cavalitas do Augustinho-Mê-Filhe, o moleque de aluguer da praça de taxis mas próxima. E foi uma cavalgada épica; o Augustinho atravessando Lisboa com a Vera Lagoa às costas.
Cheguei atrasado e desfeito. A ossuda pileca que me transportou, inquieta e com a suspensão em péssimo estado, tropeçava em todas as pedras e foi uma carga de trabalhos para a obrigar a atravessar o Caneiro a vau.
No alto da Colina, o Palácio. A babilónica construção de lata e pórfiro, fumega por cem chaminés, disparando das janelas um clarão de incêndio. Ardem velas de sêbo por todo o lado, exalando um pivete nauseabundo. Das varandas pendem bandeiras com a suástica, a Flor de Lys, as armas Papais e as dos Kikinhenburg-Grossfeld..
À porta o Cabral, mascarado de maneta pede esmola com a mão que lhe resta. O Vitor Carvalho, andrajoso, mas refastelado no carro, pede “uma horinha extraordinária” por alma de certos padrinhos (dele!!..)O Marques disfarçado de bufarinheiro, vende farturas à nobreza.
No momento em que chego, passa os portões um trem puxado por duas marquezas vestidas de negro e todas suadas. Apeia-se o Vieira mascarado de Tony Curtis.
Entra logo atrás um coelho côr de rosa pela mão da Alice do País das Maravilhas.
À entrada recebe-me o Grade, vestido de Verde com um cinto côr de cereja. É o chefe do Pretócolo, e traz o Zuza nos braços. A criança estava linda, com uma touca de tricot azul, uma chucha de barro de cinco litros e um telefonezinho de brincar.
No vestíbulo o Helder Barreiros, mascarado de judeu errante, conversava selvàticamente com alguém, enquanto lhe dava grandes toques e pancadas supostamente amigáveis.
O outro irreconhecível, cheio de equimoses e amarrotado, debatia-se no cuspo dos piparotes que o cobria como claras em castelo. Dizia o Helder:
-“E depois, sabes, vou aprender copta, sânscrito, araucano, porque assim fico com muitas possibilidades de arranjar um emprego melhor e fôr despedido da TAP. Percebes?
Ao fundo a escadaria bifurca-se. Ao centro dos dois lances de escadas um grupo escultórico.
-Foi esculpido por Cellini e comprado pelo Kikinho na Feira das Mercês. Chama-se “Adalberta Caçadora” e representa a Deusa de tanga, arco e aljava, calcando aos pés o Diniz apolíneo (adjectivo exigido pelo interessado). Explicou-se o Chefe do Pretócolo.
Preparo-me para subir a escada quando irrompem porta a dentro o Sampaio, o Ferrão e o Chitas Carreiras, mascarados de trogloditas, de pele de urso e moca, tresandando a esterco e soltando-se ruidosamente por baixo e por cima. Mas não foi tudo!
De uma porta giratória onde está enrolado o Gentil Nunes, que entra e sai sem cessar, salta o Giovanni disfarçado de DC-10. Passa por mim escada acima com os reactores no máximo como se fosse descolar. Tropeça numa gaiola de ouro com uma pêga, que lhe grita roufenha:
-Ma ! Caso de aero matto” Io no sono il ucello Ui Ui:
Os trogloditas perseguem-no aos saltos de moca em riste. Perdem-se nos corredores.
Um chulo cigano, de melena e tacão, com três mulheres pela arreata, atirou-me um pirôpo sebento, palitou os dentes com um fósforo e cuspiu pró lado. Reconheço o Catarino.
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A sala de baile é enorme, toda em talhas, mármores e espelharia.
Ao fundo, sob um dossel sobressaindo da multidão dos convidados, o Kikinho enlanguesce envolto em barrocos panejamentos de veludo brocado. À direita do Conde Heinrich, avulta o Prior Faustino, Doctor Eclecticus, Mestre de Escolástica. Engordado a Tácito e a bolota, arrota piadas queirozianas e citações da História de Barcelos. À esquerda uma Senhora de ar respeitável que não reconheci. Enorme, loura, de cara empoada e pintada como um tótem, sorria para a assistência e mantinha-se de rabo alçado na direcção do Conde , como um canhão em posição de tiro. De tempos a tempos, o Conde acaricia-lhe molemente a culatra.
Ao ombro do fidalgo, a macaquinha do QCS, que dava pelo nome de “Ricardo”, brinca-lhe com a corôa de plástico .
O Conde abana-se com um jornal dobrado e sorri brandamente para a multidão imunda dos convidados que cantam, assobiam ou simplemente grunhem numa promiscuidade de pocilga.
Quando me viu animou-se-lhe o rosto cansado dos deboches de mesa e de lençol..
-Vindes da “Tranca”? Dou-vos cinquenta mil marcos, se escreverdes um artigo a falar bem de mim... A propósito, vós que tudo sabeis..conheceis por acaso alguma serviçal que não seja esquerdista? Vou doutorar-me em Leis, e tenho de ser discreto nas minhas relações! E apontado os convidados com ar de desprezo:
-Como esta corja me repugna! Olhai como refocilam!
De repente altera-se-lhe o semblante como se tivesse visto um fantasma e exclama em surdina:
-A Condessa Vermelha!!..
Tinha-se feito um grande silêncio, e a Natália ,toda vestida de vermelho, impertigada como um cachucho, de queixo erguido e olhos no chão, avançava por entre alas de convidados. Arrastava uma cauda bordada de espigas que o Lopes, vestidinho de branco, atabalhoadamente, segurava. Ao peito um enorme broche de ouro com a foice e o martelo em diamentes.
Detem-se nos degraus do palanque. A boquinha desfaz-se num sorriso:
-Ai Conde. Suspirou. Venho cansadìssima! Ele dormiu toda a noite com a perna em cima de mim...E mudando de tom , muito rebiteza:
-Olha lá Henriques, já mandáste o Cem? Olha que o Nova York atrasou e tens de fazer protecções. Ouviste?
-Ó Maria Natália! O Rio também...balbuciou o Lopes, vestidinho de banco.
-Cale-se” Gritou ela.
E a Vermelha puxa do broche e atira-o às trombas do outro.
O pobre do Conde murchou logo e com uma expressão desgostosa, estendeu-lhe a mão e levantou-se a custo:
-Vinde! Vou mostrar-vos o castelo dos meus antepassados.
Na galeria à frente da orquestra, gesticulava o Filipe, mascarado de Mozart gordo. De peruca, casaca e bofes, assobiava, cantarolava, coçava-se com a batuta, assoava-se, anunciava a 3.ª.Guerra Mundial e previa o fim do Mundo eminente:
-Estamos no fim do Kali-yuga! Gritava descabeladamente e acariciava a filha que tinha ali ao pé, muito atafulhada em mantas, fraldas e casaquinhos, num berço de carvalho, couro, madrepérola e um grande letreiro luminoso: LA PIÚ BELLA!!
E , voltava a coçar-se, a inalar-se com Nasex e a anunciar a 3.ª.Guerra, vinda do lado socialista e trauteava um trio de Beethoven e um concerto para trompa de Mozart:
-Pó pó pó...Vamos morrer todos. Viva o nacional socialismo- o Marxismo é uma ferramenta, Pó pó pó...Ricardinho, que queres ser quando fores grande? Quero ser avião. Acabou por ser dedilhador de sets..O nosso Santos Dumont de plástico. Esse borgesso, esse matacão!
E ía caducando, sem parar de reger a orquestra, macaquendo de novo o Ricardo:
-Eu tenho aqui um aviãozinho de papel de lustro no rabo para se vêr a matrícula...e tenho um motor que era daqueles realejos pequeninos. Tanto que quando trabalha faz –plim tlim plim tlim plim tlim...
NA ORQUESTRA EMPARVECIDA CADA UM TOCAVA PARA SEU LADO.


O Raposão tocava clavicórdio com dois dedos e resmungava:
Não é bem assim, não é bem asssim. Talvez não seja necessário...
O Cascada tocava num pífaro de corno e prata. O Cristóvão tocava orgão genital e o Mesquita amuado com a orquestra, tocava gira-discos hi-fi, uivando de vez em quando:
-Voglio uma doooona”..E depois perdia-se em trinados imitando Demis Rossos e até Júlio Iglésias
.- Feelings, feelings!!!
O Raminhos também fazia parte da orquestra. Toca a sensibilidade de toda a gente com a sua simpatia e a simplicidade das suas maneiras.
De repente a orquestra flecte para a música de enterro. Apagam-se as luzes e acendem-se projectores verdes. A assistência fica lívida como uma assembleia de fantasmas. Numa atmosfera de cripta, o Conde Drácula entra mascarado de Vaz.
E, com os olhos injectados de sangue, aproxima-se perogosamente do Coelhinho Côr de Rosa com um cestinho com ovinhos de chocolate. Era a Fernandinha, que eu vira entrar pela mão do Carvalho da Carga, vestido de Alice no País das Maravilhas. O Prior Faustino barra o caminho ao monstro. À vista da Cruz, o Vaz desfaz-se em pó. A luz invade de novo a cena. O Prior arranca o Coelhinho à Alice, e arrasta-a para uma frenética tarantela.
Passam a caminho da saída tresandando a migas e a aguardente, três marmanjos não identificados (M.N.I.). Faz-se grande silêncio como de respeito. Depois a algazarra redobra e eles saiem maldizendo o 25 de Abril.
No meio de uma roda de velhas zarolhas vestidas de varinas, uma muito machona, vestida à moda de Ílhavo, e com modos desabridos, apregoa:
-Ó Toneca, queres comprar enguias?
As outras velhas riem-se muito, numa guinchadeira infernal.
Com ar enfastiado, mas muito compenetrado da sua missão de pai de família, o Mário Oliveira, vestido de nurse, empurra uma máquina de lavar à maneira de carro de bébé. Às voltas dentro da máquina, escaldado, numa sopa de detergentes e sabões, e com uma pele branca, branca, branca, debate-se o Norberto, como um gato na água.
O Conde arrasta-me para longe daquele bacanal.
Na sala de fumo, há sobre o fogão um grande retrato do Allen , vestido de squire escocês. Olha o infinito e tem uma mão aberta sobre o peito, e segura na outra o "status bolletin" de 3 de Março de 1798.
Dele já só nos resta o retrato. Diz-se que foi raptado pela Dama Esbranquiçada. Nunca mais ninguém o viu. Explicou-me o Kikinho.
No chão, sob uma pesadìssima mesa de bronze renascentista, o senhor Leão Maia, estendido de boca aberta e expressão feroz, põe uma nota de exotismo.
O Rodrigues da Carga lê impassível um manual de canoagem, amalhado junto do fogão, onde arde o Rui de Sousa, soltando urros de selvático prazer.
Fui encontrar ali o Correia em animado bate-papo com a Irene. Ela era uma imponentìssima Cleópatra, vestida de plástico transparente, com uma cascavel também de plástico, enrolada na arquitectura do penteado. Ele um guru nefelibata e olheirento, meio definhado pela macrobiótica, envolto num lençol côr de açafrão e cabeça rapada..
Dizia a Irene:
-Ai Carlos, você não imagina como estou mal disposta! Não dormi nada durante a noite. Ontem fui jantar fóra, comi uma sopinha de pedra, um cozido à Portuguesa, depois um coelhinho à caçadora e um bacalhau à Zé do Pipo, que estava tão bom, que comi cinco postas; a minha sobremesa, foi só um pudinzinho de ovos, uma coisa assim pró simples, só com chantilly, veja lá, mais dez crepes de chocolate e meio litro de bagaço - um bagaço muito bom que trouxemos do Algarve em Setembro - e mesmo assim estou gorda!...Eu não
percebo...deve ser algums desarranjo hormonal, não acha?
-Ó Irene, você qualquer dia morre embatucada! Eu emagreci vinte kilos com a macrobiótica. A macrobiótica faz coisas espantosas. Na China, no século XIII, até se curava o cancro com a macrobiótica. A Medicina Ocidental é que está muito atrasada. A macrobiótica, até apressa revoluções! O Mao-Tsé-Tung chegou ao Poder pela Macrobiótica. A Macrobiótica evita o meteorismo, trata dos calos, incrementa o turismo, evita os noshows e regula os intestinos!...Sabia? Irene! Coma guizadinhos de soja com lentilhas e arroz integral. E quando tiver essas dôres de cabeça, coma uma colher de gomásio.
-Ora, não há nada que me faça emagrecer. Uma lágrima cai-lhe no opulento regaço.
-E tenho a tensão alta, será do pé de porco?
-Vê Na macrobiótica não há pé de porco. Só há pé de salsa. E todavia não deixa de comer o seu pèzinho de qualquer coisa. É óptimo!...
A Irene arrota fartura enquanto o Correia desfalece da macrobiótica.
Entrementes passa o Carlos Pinto muito bronzeado e embrulhado em papel vegetal. Vai mascarado de frango assado. A Irene só por ser o Pinto não o desfez logo à dentada.
-Olha, gritou ele para a Irene. Parece uma bolinha de golf descascada!
A Irene ofendida na sua faraónica compostura atira-lhe às trombas um pé de porco , que tirou da mala e grita:
-Sua galinha atravessada de gente, seu capão de Paço de Arcos, vá mas é chocar bolas de ping-pong! E arrancando a cobra da cabeça atira-a ao intruso que mortalmente mordido pela serpe estrebucha.
-Que boa cabidela! Que boa cabidela! Exulta o Rui de Sousa no meio das chamas.
-Ó homem, não vê que a galinha não foi sangrada. Não presta! Ajunta o Maia,num assomo de realismo, esmagado pela mesa renascentista..
Do andar superior, começa a ouvir-se estranhos gemidos:
-Cartoliiiiina ! Cartolliiiina!
Ante a minha estupefacção, o Conde esclarece:
-Não ligue, Dizem que é o fantasma do Kikinhenburg, mas a realidade é o paspalhão do Mascarenhas que apareceu mascarado de fantasma, meteu-se no sotão e não para de uivar
.-Cartoliiiiiiina! Cartoliiiiina!
Passámos à capela. Uma sinistra capela de ossos. No altar-mor, empoleirado numa pianha de pau-santo, o Duarte, disfarçado de Santa Teresinha do Menino Jesus.
Segura o Menino à ilharga com expressão dolorida. Quando descobre que tem expectadores, perde a compostura e o ar seráfico. Atira com o boneco, desaperta o cilício e alçando a estamanha, mostra a perna esquelética e cabeluda..
-Que é que foi? Nunca viu? E voltando-se para a Nossa Senhora de Fátima:
-Olha lá ó minha chungosa! Já te esqueceste do tempo em que andavas para aí a trepar às árvores? Isto é bom é para ti. Vou para a rebaldaria. Quero que tu te lixes mais as tuas caveiras. Boa noite-e sai , arrancando as vestes.
De dentro de um confessionário, assoma o Botelho em pijama e estremunhado:
-E se fossem fazer barulho para outro lado?
Percorremos ainda algumas salas antes de descer ao jardim, sobre o qual se abriam os balcões do deboche. Aí no meio do lago, o Sereno, vestido de Almirante Nelson, navegava nas águas agitadas pelo repuxo, a bordo de um barquinho de papel, que rodopiava vertiginosamente no remoinho do ralo.
Atrás, numa chalupa feita com o jornal "A luta", volteava já o Rui Lourenço.
No andar de cima progredia o deboche. O Prior Faustino dançava com o Coelhinho Côr de Rosa já com os pés ligados e as pernas ensaguentadas dos pontapés e pisadelas do mastronço.
Um senhor pequenino tentava a custo romper entre a multidão. Mascarado de peripatético, coroado de pâmpanos e heras, de clâmide côr de rosa, o Curado tangia lira. Dependurado da cinta, um volume de "Ensaios sobre a Metafísica dos Transportes Aéreos" e uma versão abreviada do "Manual das Boas Maneiras" da Elsa Maxwell.
De uma porta lateral - a porta do cavalo - vem o Mendonça, de Orlando Furioso. Paladino do amôr e da violência, monta um gigantesco cavalo de pau com asas de cartão e rodas. Veste armadura e vem de espada e alaúde , declamando Brecht, de olhos desorbitados, descabelado e escorrendo suores:
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"Et la colère contre l.injustice
Rend rauque la voix. Helàs, nous,
Que voulions preparer le terrain à la amitié
Nous n.avons pu nous même être amicaux !"
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E , ora com a espada, ora com o alaúde, desancava os peões mais próximos, que se contorciam uivando e pedindo clemência.
No tecto dois serafins de estuque - o Espuma e o Marcelo - de cara empoada, nariz vermelho e boquinha em coração, papudos como bácoros, troçavam dele, vergonhosamente. O Mendonça, roubando a carabina ao Vantacich, espetou-lhes três tiros no arcaboiço de gesso. Os querubins caiem desfeitos em cacos sobre a Dina, que meneava as ancas, vestida de Salomé, com o umbigo à mostra e, num prato, uma cabeça que me pareceu de porco, mas que ninguém descobriu quem era.
O cheiro do cadáver atraiu os corvos, que até ali se tinham mantido empoleirados no dossel. Com efeito, o Herdeiro e o Zé Carlos, atravessam os ares com um sinistro bater de asas, e vêm, crocitando lugubremente, poisar nos ombros de Orlando Furioso.
A turba de convidados pasma e cacareja, e, tomada de pânico, comprime-se contra as paredes. O Coelhinho Côr de Rosa esconde-se debaixo das saias da velha Marqueza que acariciava o lulu careca - o Rochinha.
Intervém o Conde , mandando servir a ceia para salvar o ambiente. E, como no teatro, logo surgem o Leandro e o Pereira de Sousa despidos de núbios,carregando numa padiola o Valter ,assado que nem um barrasco, com uma beterraba na boca e um alho porro onde a vossa imaginação assim o entender.
Atrás o Brito Dias mascarado de cão, fareja saltitante a febra.
Os convidados engalfinham-se sobre o cevado como abutres.. À primeira facada estoira-lhe a bocha e um numeroso bando de pintassilgos espalha-se chilreando pela sala, ante a estupefacçãp dos convivas.
Refocilavam todos na carcassa, quando se ouve grande grita no pátio. Aparece esbaforida a Marquesa do Lulu careca, que vinha de levar o animalzinho ao toillet:
-Um anarquista, um regicida Um nihilista iconoclasta! Salvem o meu "Lulu careca" Urrava, espremendo desvairadamente o Rochinha de encontro às mamas flácidas. O Lulu lambia-se indiferente ao drama. E o Filipe, que não dera pela vaia, dando-lhe palmadinhas no focinho:
-Não se mexe aí! Não se mexe no pipi!
Pânico. A turba atira-se furiosamente aos despojos como se quizesse morrer de barriga cheia. Gritos e atropelos em todas as direcções.
Nesse momento irrompe sala a dentro o João Oliveira, nervoso, pálido, olhar esgazeado, a barba rala a tremer-lhe de raiva e as mãos enclavinhadas na panela da pólvora.
-Esta é melhor que a panela da pólvora! Grita ele. É uma panela de pressão atómica. Uma caldeirada de átomos em desintegração, não escapa ninguém!
Gritaria medonha na assistência.
-Seus bandidos!Seus burgueses debochados! Só à bomba! Abaixo a decadência!Viva a liberdade! Viva a aanrquia!
-Espere! Grita o Coelhinho Côr de Rosa. Ainda não! Viva a decadência" E agarra-se a uma armadura medieval e beija-a raivosamente, tomando-a por alguém conhecido.
-É preciso construir tudo de novo! Viva a Anarquia.! E atira a panela para o meio da sala.
A festa explode! O castelo de Kikinhenburg vai fragorosamente pelos ares.
Horas depois, entre os destroços fumegantes, um estranho personagem, montado num burrelfo manco e chamuscado, lê em altas vozes, com a cabeleira e as barbas grisalhas em desalinho, parágrafos inteiros do "Capital".
O Herberto Gomes vestido de rústico, de colete e boné, enxada ao ombro,
escuta-o atentamente..







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